Malária – Quimioprofilaxia e Medidas de Prevenção.*
*Proibida a reprodução deste artigo sem autorização do autor
Dr. Wanir José Barroso,
Sanitarista, especialista em epidemiologia e controle de endemias pela Fiocruz/RJ.
E-mail: wanirbarroso@gmail.com
Quimioprofilaxia em malária só deve ser utilizada em situações muito específicas e prescrita por médicos especializados ou familiarizados com o aconselhamento a viajantes.
A quimioprofilaxia em malária nada mais é do que o uso de medicamentos antimaláricos para uma malária que ainda não a contraímos e que não sabemos se vamos ou não contraí-la. É como se tentássemos “prevenir” a doença ou amenizar seus sintomas, ainda sem tê-la contraído, utilizando medicamentos que são prescritos em seu tratamento e cura, achando que ao se fazer isso não teríamos a doença ou não desenvolveríamos suas formas graves se fôssemos picados por mosquitos infectados. Esses medicamentos antimaláricos utilizados em doses sub-terapêuticas, como devem ser as doses quimioprofiláticas, têm apenas a função de eliminar um certo número de protozoários (Plasmodium) quando estes já se encontram no sangue do paciente infectado com o Plasmodium. Com isso, o aparecimento de sintomas pode ou não se retardar se o Plasmodium for ou não sensível ao medicamento utilizado.
Os medicamentos antimaláricos são específicos para curar malária apenas em doses terapêuticas e nem todos antimaláricos servem ou devem ser utilizados como quimioprofiláticos. Cada um desses medicamentos tem suas particularidades: uns são mais tóxicos, outros são de doses diárias ou semanais, outros são de eliminação lenta, outros podem desenvolver efeitos colaterais graves e outros podem até não oferecer efeito protetor nenhum, sendo que, para todos os antimaláricos utilizados em quimioprofilaxia, estes isoladamente e com o uso de doses sub-terapêuticas preconizadas para a quimioprofilaxia não conseguem curar pacientes que contraíram a doença, salvo raríssimas exceções.
Ainda mais, a quimioprofilaxia em malária não evita a infecção malárica, isto é, não evita a entrada e a multiplicação do protozoário no organismo se picado por mosquitos infectados, e também não tem finalidades de cura, até porque em quimioprofilaxia as doses utilizadas são menores que as doses terapêuticas utilizadas no tratamento convencional. Medicamentos não são vacinas. Medicamentos antimaláricos ou curam ou não curam a doença e quando mal utilizados podem provocar resistência no protozoário, culminando com a falência terapêutica. Os que fazem uso de quimioprofiláticos e são picados por mosquitos infectados com o Plasmodium, têm no mínimo malária até a fase hepática da doença e desenvolverá a doença caso o Plasmodium se mostre resistente ao medicamento utilizado.
Em quimioprofilaxia antimalárica deve-se considerar sempre as condições clínicas do viajante, o tempo de permanência em áreas sabidamente de transmissão da doença e o padrão de sensibilidade/resistência do P. falciparum frente aos medicamentos antimaláricos na região a ser visitada. A quimioprofilaxia só deve ser utilizada para quem vai para uma área de transmissão de P. falciparum onde não há nenhum socorro médico por perto, tolera bem os efeitos colaterais do medicamento e vai ficar por lá por um período no mínimo superior a 12 dias, que corresponde a um período médio de incubação da malária por P. falciparum. Infelizmente ainda existem poucos estudos sobre os efeitos adversos causados pelo uso contínuo desses medicamentos.
Os medicamentos antimaláricos usados como quimioprofiláticos apresentam várias contra-indicações. Atenção especial deve ser dada a mulheres grávidas, recém-natos, idosos, portadores de doenças metabólicas e infecciosas, pessoas com problemas neurológicos e cardíacos e também para pessoas que tem que estar sob vigília permanente, como os pilotos de avião. Entre os efeitos colaterais indesejáveis relatados neste grupo de medicamentos que apresentam diferentes graus de toxicidade estão: sonolência, náuseas, diarréia, boca amarga, visão turva, zumbido, tremores, cardiotoxicidade, e entre as intolerâncias mais sérias as convulsões.
Em malária o uso de medicamentos quimioprofiláticos pode retardar o início dos sintomas, alargando o período de incubação e às vezes não surtir efeito protetor nenhum, caso o Plasmodium circulante seja resistente ao medicamento que esteja sendo utilizado. Várias cepas de P. falciparum já se mostram resistentes frente a vários medicamentos antimaláricos em diversas regiões endêmicas. A cloroquina, por exemplo, não mais deve ser utilizada como quimioprofilático considerando que o P. falciparum já se mostra resistente a ela em cerca de pelo menos 90% das áreas endêmicas do planeta.
O diagnóstico e o tratamento na fase inicial da doença têm objetivos semelhantes aos da quimioprofilaxia que é conseguir evitar o desenvolvimento de suas formas graves, cuja principal causa é o retardo de diagnóstico e de tratamento.
Aquele que conhece os sintomas iniciais e suspeita estar com malária por ter freqüentado áreas de transmissão da doença e vai em busca de socorro médico para fazer o diagnóstico e iniciar o tratamento, tem sempre um melhor prognóstico do que aquele que faz uso de quimioprofiláticos. O uso indiscriminado e o uso de doses sub-terapêuticas de medicamentos antimaláricos são fatores de quimioresistência do Plasmodium, assim como acontece com as bactérias frente aos antibióticos.
Um outro fator negativo e importante que sempre deve ser considerado é que esses esquemas utilizados em quimioprofilaxia causam uma falsa sensação de segurança, fazendo inclusive com que o viajante se exponha mais à picada de mosquitos transmissores, tornando-se mais vulnerável a contrair a doença, além de ter que aderir ao desconforto do uso de doses diárias ou semanais dependendo do medicamento utilizado. Quimioprofilaxia não deve ter suas finalidades “protetoras” confundidas com a de uma vacina. Em que pese estar fazendo uso de quimioprofilaxia, pode-se desenvolver a doença e suas formas graves se picado por mosquitos infectados. Contra a malária infelizmente, ainda não existe uma vacina específica e eficaz disponível.
Em quimioprofilaxia antimalárica os níveis de proteção oferecidos são dependentes de vários fatores, como o uso regular de doses do medicamento, o fato do Plasmodium não estar resistente ao medicamento prescrito e ao paciente metabolizar, tolerar e eliminar bem o medicamento e não desenvolver efeitos colaterais indesejáveis.
A quimioprofilaxia antimalárica, se indicada, deve ser feita estritamente dentro das orientações médicas recebidas, isto é, nunca se deve substituir o medicamento, o tempo de duração ou a posologia fornecida pelo médico que a prescreveu, baseados em critérios clínicos, toxicológicos, terapêuticos e epidemiológicos.
Em resumo, a melhor prevenção contra a malária continua sendo:
1• Saber se está ou não em área de transmissão de malária, ou se existem pessoas contraindo a doença na região onde se encontra;
2• Evitar a picada de mosquitos em áreas de transmissão com o uso de repelentes, inseticidas, telas em portas e janelas, mosquiteiros ou não freqüentar áreas alagadas onde existam criadouros naturais;
3• Conhecer os principais sintomas iniciais da doença (febre, dores pelo corpo, vômitos, diarréia, dor abdominal, falta de apetite, tonteira, sensação de cansaço entre outros);
4• Pensar em malária se apresentar febre associada a outros sintomas sugestivos, por ter freqüentado áreas de transmissão da doença;
5. Saber onde buscar por socorro médico ou informações para obter o diagnóstico e o tratamento tanto na área endêmica como fora dela;
6• E não se automedicar;
Localizar e encaminhar em áreas de transmissão de malária pacientes febris para diagnóstico e tratamento é a principal medida para conter surtos ou epidemias, evitando que a doença se alastre ou tome proporções epidêmicas. Enquanto houver alguém doente e sem tratamento nessas regiões haverá a possibilidade de outras pessoas também a contraírem. Os grupos mais vulneráveis a desenvolverem as formas graves da doença são: crianças, idosos, pessoas que contraem a doença pela primeira vez, mulheres grávidas e portadores de outras doenças infecciosas.
A malária em qualquer região do planeta continua sendo uma doença parasitária das mais graves, de evolução muito rápida, mas curável desde que diagnosticada e tratada com a rapidez que a doença exige. A doença pode comprometer seriamente o funcionamento de diversos órgãos como o fígado, os rins, o baço, os pulmões e o cérebro além de evoluir para suas formas graves com o coma malárico e até mesmo o óbito em poucos dias, caso haja retardo de diagnóstico e de tratamento. O óbito por malária tem como causa a falência desses órgãos.
Malária, principalmente a causada pelo P. falciparum, deve ser sempre considerada como uma emergência médica!
"Silenciosamente a malária atinge meio bilhão de pessoas no planeta todos os anos e leva ao óbito centenas de milhares delas, silenciando principalmente crianças. Suas principais causas são o retardo de diagnóstico e de tratamento, a desinformação sobre a doença e o nosso silêncio! Para contrair a doença basta ser picado por um mosquito Anopheles infectado e para um mosquito se infectar basta picar alguém doente. Sem doentes não temos mosquitos infectados nem transmissão de malária."WBarroso
sábado, 24 de abril de 2010
Malária – Quimioprofilaxia e Medidas de Prevenção.*
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Um comentário:
Olá! Muito bom o comentário, no entanto, algumas impropriedades sobre a quimioprofilaxia de malária. É verdade que, quando usada, será sempre para áreas de ocorrência de P falciparum, pois o que se almeja é evitar mortalidade, que está diretamente ligada à ausência de qualquer imunidade ao parasita, o que proporciona alta parasitemia e maior chance de complicações e morte. E isso a quimioprofilaxia faz muito bem, evitar altas parasitemias. A literatura mostra que não há óbito em pessoas que contraíram malária por P falciparum e que estavam sob uso correto de quimioprofilático, tanto o medicamento, quanto a posologia seguidos corretamente. Ao contrário, infelizmente, a malária por P falciparum continua a matar viajantes não-imunes e que não estavam sob uso de um correto quimioprofilático. Quanto aos eventos adversos, esses são muito menos frequentes se comparados ao tratamento da malária, pois as doses são menores, o que, proporcionalmente, diminui chance de efeitos colaterais, principalmente os mais preocupantes. Quanto à possibilidade de aumento de resistência do parasita aos medicamentos usados para quimioprofilaxia, não há evidências na literatura, digo, não se conhece o impacto que viajantes sob quimioprofilaxia possam exercer sobre a geração de resistência local aos anti-malarígenos.
Apesar das recomendações citadas como melhor prevenção para malária estarem corretas, sabemos que elas nem sempre são seguidas, seja por que o viajante simplesmente não aderiu às recomendações, seja por que não foi possível segui-las (viagens em missão, a trabalho de campo, local de estadia sem ar-condicionado, ou tela de proteção, ou mosquiteiro). Por último, apesar de sabermos que o diagnóstico precoce e o imediato tratamento serem as melhores armas contra o desenvolvimento de quadros graves de malária, sabemos que nos locais onde a ocorrência da malária é mais intensa, como África Subsaariana, as condições de atendimento à saúde são muito precárias. Além da falta de postos de atendimento em áreas remotas, mesmo onde eles existem, muitas vezes faltam condições básicas para um diagnóstico acurado, como falta de energia elétrica para uso do microscópio, ou mesmo a sua inexistência. Ainda, a utilização de medicamentos falsificados ainda é uma constante em muitos países onde a malária é endêmica. Como complicador, há uma grande ignorância entre médicos de países não-endêmicos quanto a malária e a literatura mostra a ocorrência de óbito entre viajantes que retornaram para seus países com malária, mas que não tiveram o correto e ágil diagnóstico desta condição por mero desconhecimento da classe médica local quanto à doença malária.
Por todas essas considerações, julgo sim fundamental o uso de quimioprofilaxia para malária em áreas endêmicas para P falciparum e creio que há que se ter um cuidado especial e muita responsabilidade quando ela não é indicada em áreas de ocorrência da malária por P falciparum!
Gustavo Henrique Johanson
Infectologista, pós-graduação em medicina tropical e saúde internacional pela London School of Hygiene and Tropical Medicine e médico do ambulatório de medicina do viajante da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP.
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